doacao-irregularMulher é acusada pelo sistema de ser “doadora de campanha”. Ela alega que assinou documento acreditando ser recibo. Defesa do prefeito diz que mulher atuou como “voluntária”.

Uma dona de casa reclama que perdeu o benefício do Programa Bolsa Família depois que seu nome foi lançado no sistema da Justiça Eleitoral como “doadora de campanha”.

Ela seria contribuinte da campanha do prefeito reeleito em Ipuã (SP), José Francisco Ávila, o Nenê Barriga (PMDB), em outubro desse ano. Desempregada e com três filhos, Francine Francuise Grupo nega ter doado qualquer quantia ao então candidato, alegando que trabalhou durante três dias na campanha e foi enganada ao assinar um papel entregue a ela como sendo um recibo pelos serviços prestados. O advogado do prefeito, Marciel Mandrá Lima, nega a acusação, afirmando que Franciane trabalhou como voluntária na campanha de Nenê Barriga e, por esse motivo, não recebeu nenhuma quantia.

Já Francine conta que foi convidada para trabalhar na campanha do prefeito em setembro e diz ter recebido R$ 150 para colar adesivos em carros de pessoas que participaram da Expuã, durante três noites. “Eles falaram que não iria prejudicar. No último dia, quando eu fui assinar, eles falaram que era um recibo normal e eu assinei sem ler, porque foi coisa rápida. Paramos na rua, nós assinamos e ficou por isso”, afirma. Na última semana, quando foi sacar o auxílio, Francine recebeu a informação que o valor estava bloqueado. Ela então procurou o Centro de Referência da Assistência Social (Cras) da Prefeitura de Ipuã e soube que o benefício havia sido suspenso.

Sistema da Justiça Eleitoral aponta 'prestação de serviço voluntário'' (Foto: Maurício Glauco/EPTV)

A dona de casa diz que ficou surpresa ao ver que seu nome constava na lista de doadores de campanha do prefeito, o que é irregular de acordo com as regras do Bolsa Família. Por esse motivo, o valor que recebia foi cortado.

Francine descobriu então que o documento que havia assinado era, na verdade, uma “prestação de serviço voluntário”. Para a Justiça Eleitoral, a dona de casa doou R$ 135 à campanha do então candidato. “Eu doei uma coisa sem eu ter, simplesmente isso. Estou sem saber de nada porque eu procuro um, joga para outro. Procuro outro, joga para outro, aí fico sem saber. Se eu não precisasse, nem correria atrás. O que eles fizeram comigo foi agir de má fé”, diz.

Limite de gastos

Tentando reaver o benefício, Francine procurou o Ministério Público e também a Polícia Civil, que instaurou um inquérito para investigar a denúncia. Ainda segundo a dona de casa, outras duas mulheres foram vítimas do mesmo suposto golpe. O promotor André Donizete Zanutim explica que o auxílio do governo federal foi bloqueado porque beneficiários do programa não podem ser doadores de campanha eleitoral. Em 2016, pela primeira vez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cruzou os dados para identificar fraudes.

“Toda doação eleitoral, ainda que seja na forma de serviço, tem que ser estimável em dinheiro. Então, foi estimado um valor dessa prestação de serviço e a Justiça Eleitoral cruzou os dados com aqueles do Bolsa Família, e checou essa situação” afirma. Ainda segundo o promotor, a suspeita é que o prefeito tenha atingido o limite de gastos para contratação de pessoal. Por esse motivo, parte dos colaboradores pode ter sido lançada no sistema da Justiça como voluntários, doadores de campanha.

“Esse excesso teria sido simulado na forma de doação, ou seja, essas pessoas foram contratadas e não apareceriam na prestação de contas, mas como doadores de campanha. Possivelmente, a intenção era burlar a Justiça no tocante à prestação de contas”, diz. Zanutim aguarda a conclusão da investigação da Polícia Civil e afirma que Nenê Barriga pode responder por corrupção eleitoral, abuso de poder econômico e crime de falsidade ideológica, caso fique comprovado que a dona de casa recebeu pelo serviço prestado. “Após a apuração da delegacia, essa investigação será encaminhada ao Ministério Público Eleitoral e, constatando-se um crime eleitoral, a Promotoria vai entrar com a representação, ou até com pedido de impugnação do mandato do prefeito”, diz.

Defesa

O advogado do prefeito, Marciel Mandrá Lima, que também trabalhou na campanha de Nenê Barriga, nega as acusções. Ele alega que Francine foi contratada como voluntária e não recebeu nenhuma quantia pelos serviços. Assim como explicado pelo promotor, Lima diz que a Justiça Eleitoral exige que, em caso de trabalho voluntário, seja assinado um documento entre as partes e nele conste um valor estimado do serviço prestado.

“Segundo os coordenadores de campanha, ela realmente foi contratada para fazer serviço voluntário, ela não recebeu. O que aconteceu é que, como vai no sistema como doação, suspendeu o bolsa família dela. Mas, não houve transação em dinheiro”, afirma. Lima também nega que a campanha tenha atingido o limite de gastos para contratação de pessoal, como afirma o Ministério Público, e afirma que o prefeito ainda não foi oficialmente inrimado a prestar esclarecimentos sobre o caso. “Nós tivemos várias pessoas pagas. Se você olhar a prestação de contas, estamos bem abaixo [do limite]. Nós tínhamos um limite de R$ 30 mil para gastar com pessoal. Estamos bem abaixo. A campanha foi como todas as outras do país, com pouco gasto”, diz.