Motivo principal para que o Brasil parasse de perder mais de duas mil vidas por dia para a Covid-19 ao longo de quase dois meses, a vacinação completa um ano no país nesta segunda-feira (17).
Prestes a alcançar 70% da população brasileira com as duas doses (ou dose única), a campanha de imunização foi – e ainda permanece – a responsável pela queda substancial de óbitos – hoje, com média próxima a 130 por dia – e hospitalizações pelo vírus, desafogando os hospitais lotados e amenizando, aos poucos, o estado de colapso que a saúde pública enfrentou no ano passado.
No entanto, além das quase 130 mortes diárias nas últimas semanas, o rápido avanço da variante Ômicron por todo o país preocupa, com riscos de novo colapso na saúde, sinalizando à importância de que a população conclua o esquema vacinal – mais de 20 milhões não voltaram para tomar a segunda dose –, e que os públicos elegíveis procurem pela dose de reforço.
Após decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no mês passado, as crianças de 5 a 11 anos também estão aptas a se imunizar, com os calendários de imunização começando a partir desta semana em várias capitais brasileiras.
Alvo de atritos na política, imunização começou com atraso
Tal qual outros assuntos relacionados à pandemia, a vacinação contra a Covid-19 no Brasil já era alvo de embates políticos antes de seu início, entre gestores que buscavam reconhecimento pela negociação dos imunizantes e governantes que questionavam sua eficácia mesmo após resultados promissores dos estudos sobre sua eficácia.
À época, o presidente Jair Bolsonaro chegou a questionar a CoronaVac, hoje uma das vacinas contra o vírus mais aplicadas nos brasileiros, devido ao seu local de origem. “Da China não compraremos. Não acredito que ela transmita segurança para a população pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”, disse Bolsonaro um dia após desautorizar a compra de 46 milhões de doses do imunizante da fabricante Sinovac.
Até a primeira dose aplicada, na enfermeira Mônica Calazans, em Itaquera, zona leste de São Paulo (SP), a demora para a compra das vacinas da Pfizer – com uma recusa à compra de 70 milhões de doses em 2020 – e da Janssen, na entrega de insumos da AstraZeneca e na aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aos imunizantes, em 17 de janeiro, fez o país largar atrasado em relação ao resto do mundo.
Naquele momento, em meados de janeiro, mais de 50 países já haviam aplicado suas primeiras doses, alguns inclusive entre novembro e dezembro do ano anterior, como Argentina, Chile e México.
Para Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista, fundador e ex-diretor-presidente da Anvisa, o atraso teve influência significativa em muitas mortes evitáveis. “Infelizmente, muitas pessoas morreram porque a vacinação no Brasil começou tarde demais e demorou muito para engrenar. A única arma que havia era de fato a vacina”, afirma Vecina. Há um ano, pontua o sanitarista, começar a vacinação o quanto antes significava reduzir a mortalidade.
O médico ainda cita como exemplo um estudo da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, que apontou que a vacinação evitou a morte de 43.082 idosos no país.
“Poderíamos ter começado com um volume alto. Os países desenvolvidos começaram em dezembro, e nós em janeiro com uma quantidade muito limitada de vacinas. Nossa capacidade é de aplicar 30 a 40 milhões de vacinas por mês, apertando seriam até 70 milhões, por termos 38 mil unidades de saúde. Temos condição de já ter vacinado esses 160 milhões de adultos com as duas doses, mas terminamos o ano e ainda não terminamos de vaciná-los”, considera.
Para além do atraso na imunização, o país assistiu a uma série de casos de fura-filas de vacinas em todo o país. Nas semanas posteriores à primeira aplicação, eram rotineiras as notícias de funcionários públicos, políticos, empresários e seus familiares se imunizando – mesmo não pertencendo a grupos de risco, aqueles que por determinação das autoridades eram prioridade no calendário vacinal.
Houve, ainda, erros de logística do governo federal, ao enviar em fevereiro 78 mil doses ao Amapá, que deveria receber 2 mil, e 2 mil ao Amazonas, que deveria receber 78 mil.
Também marcante foi o chamado Caso Covaxin, uma investigação do MPF (Ministério Público Federal), em 16 de junho, que encontrou indícios de irregularidades na aquisição, pelo Ministério da Saúde, de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin.
O valor dos imunizantes, segundo o órgão, seria 1000% superior ao previsto no início. O ministério cancelou o contrato ao fim de julho e anunciou que utilizaria a quantia prevista para contratar vacinas de outros fabricantes. Semanas antes, a Polícia Federal havia instaurado um inquérito para investigar Jair Bolsonaro por suspeita de prevaricação no caso da compra das doses.
Apesar de atrasos, adesão da população acelerou vacinação no país
À parte das discussões políticas – e apesar do atraso para o início do calendário de vacinação –, a resposta da população brasileira foi rápida e, atualmente, a adesão do país aos imunizantes contra o coronavírus é considerada alta: 68% da população receberam as duas doses ou dose única, e 76% receberam ao menos a primeira dose.
Em proporção, a taxa da população brasileira completamente imunizada é superior a Estados Unidos, Rússia e México, por exemplo, que começaram antes a vacinar suas populações, e, mesmo com o atraso, próxima a de países como Alemanha, Reino Unido e França – pouco acima dos 70%, de acordo com a plataforma World In Data.
País com menor rejeição à vacina contra a Covid na América Latina – 3% de rejeição, contra 8 % de média, segundo estudo do Banco Mundial –, o Brasil tem em sua história recente campanhas de vacinação de sucesso, como no combate à varíola, a poliomielite (paralisa infantil) e no combate à epidemia de febre amarela. Essa tradição colaborou para a adesão dos brasileiros aos imunizantes contra o coronavírus, aponta Gonzalo Vecina.
Em azul, quem já se vacinou; em amarelo, quem pretende se vacinar; em laranja, quem não se vacinou e nem pretende
REPRODUÇÃO/BANCO MUNDIAL