Segundo Ideval Souza Costa, do museu de geociências da USP, é impossível saber quando catástrofe como a de 2004 ocorrerá

Mesmo ciente do estrago que o tsunami provocou em boa parte da Ásia em 2004, o catarinense Fábio Junqueira nem imaginou que o tremor de 25 de outubro de 2010 a atingir resort no qual ele estava hospedado na Indonésia antecederia outra onda gigante que engoliria as ilhas Mentawai e deixaria mais de 400 mortos.

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Arquivo pessoal

Fábio Junqueira Karkow abraçado aos pais quando desembarcou no sul do Brasil após sobreviver a tsunami

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Visitando o país à época para surfar, o clínico-geral foi acordado na manhã daquela segunda-feira por um sutil tremor no solo. Depois de sair da cabana onde dormia e sentir a garoa fina que caía sobre a área, o médico pensou em voltar para sua cama, quando um barulho parecido com o rugido de um animal de grande porte o deixou estático. Poucos minutos depois, ele viu um “paredão branco” se aproximar rapidamente da ilha.

“Quando vi o tsunami, simplesmente me virei e saí correndo. Foi instinto. Segui em direção a um tipo de fortaleza, um lugar erguido no resort para esse tipo de fenômeno. Chegando lá, o gerente [do resort] nos mandou subir. Todos gritavam ‘sobe, sobe’. Estávamos apavorados”, lembrou ele em conversa com o iG.

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Segundo Junqueira, antes de bater na torre principal do lugar onde ele, hóspedes e funcionários se protegiam da onda gigante, o mar engoliu o gerador de energia do local e arrebentou todo o primeiro piso do resort. “Só ficaram os coqueiros”, contou.

O catarinense lembra que não houve qualquer aviso sobre o tsunami antes de a onda chegar. Na rua, o caos tomou conta dos habitantes, que gritavam a palavra “terremoto” em pânico. “Saí sem nada nas mãos. Coloquei um agasalho, meu passaporte e deixei todo o resto para trás”, disse.

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Após escapar das ondas, o brasileiro, acompanhado de outros turistas, esperou a água baixar e caminhou por cerca de dois quilômetros até conseguir ajuda em um vilarejo próximo. O grupo foi resgatado por um lancha que ajudava vítimas da tragédia e os levava para um local seguro. Depois ele seguiu para Jacarta, capital do país, de onde seguiu em um voo para o Brasil com ajuda do consulado.

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Apesar da experiência traumática, o médico não se deixou vencer pelo medo e voltou a Indonésia outras três vezes – a primeira em 2012, dois anos após o desastre. Questionado se não sentia medo de se tornar mais um na estatística de mortos por tsunamis na Indonésia, ele riu e afirmou não ter “medo de viver”.

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“Depois de tudo que passei, pensei: ‘vou ficar assistindo de camarote a vida passar?’. A resposta foi ‘não’. Mas agora você viaja de forma racional. Deixo uma mochila separada assim que chego ao resort, pronta para qualquer emergência”, explicou.

Dentro da mochila, ele conta, guarda passaporte, canivete, blusa de frio, óculos de grau, protetor solar e repelente. “Você sabe, só o essencial”, brinca.

Ameaça contínua

Divulgação

O geólogo Ideval Souza Costa explica que a Ásia é mais suscetível a tsunamis

Causados por terremotos submarinos, os tsunamis acontecem essencialmente em zonas de fortes movimentos tectônicos, como o Pacífico e a Ásia.

A onda gigante, originada a partir do choque sísmico de cima para baixo da massa oceânica, tem várias centenas de metros de espessura e ganha energia toda vez que bate contra o solo submarino.

Mas apesar do vasto conhecimento sobre o fenômeno, é impossível prever quando e com qual intensidade ele abalará novamente a Indonésia e outras áreas do mundo, explicou Ideval Souza Costa, geólogo do museu de geociências da Universidade de São Paulo (USP).

“O que a gente sabe é quais áreas serão atingidas pelo fenômeno, por causa do estudo das placas tectônicas. Quando acontecerá, porém, é impossível dizer”, garantiu ele.

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No caso do fenômeno que atingiu a Oceania em 26 de dezembro de 2004, o tsunami foi originado de uma maneira peculiar. Em 2011, um artigo publicado por autores como Sean Gulick na revista Nature Geoscience enfatizou que em vez dos habituais sedimentos fracos e soltos encontrados normalmente acima do tipo de falha geológica que causa o terremoto, foi encontrado planalto espesso de sedimentos duros e compactados.

Para o especialista da USP, esse fator foi fundamental para que o tsunami se tornasse um dos mais mortíferos da história moderna.

“Se o tsunami foi compacto, teve impacto maior que os anteriores. Esse tipo de abalo é muito difícil de acontecer. O estudo aponta que, naquela região, a possibilidade de haver mais vítimas após um abalo desse tipo é muito maior”, afirma.

Naquela manhã de domingo de 2004, o poderoso terremoto submarino teve início na costa ocidental de Sumatra. O fenômeno causou devastação ao longo da costa do Índico com ondas de até 30 metros de altura. Por causa do pouquíssimo alerta para o desastre, houve mais de 230 mil mortes e milhões de desabrigados.