Terapeuta aponta cinco atitudes masculinas potencialmente prejudiciais ao relacionamento

Nas duas últimas colunas me dediquei a apresentar uma série de “mulherices” – características típicas femininas – que os homens detestam e que podem prejudicar a vida a dois. Agora é a vez de falar sobre os homens e as “ogrices” das quais as mulheres vivem reclamando.

1. Modelo “trator”

A cama das outras

Ao casar, aos 25 anos, Alfredo queria aproveitar sua antiga mobília de solteiro, mas Letícia insistia em comprar móveis novos. Em especial, ela queria trocar a antiga cama de casal dele para ter a sensação de que construíam algo juntos, e não sentir que ela apenas se encaixou num esquema anterior (e deitar-se numa cama em que ele esteve com muitas outras). Alfredo fica inconformado. “Por que ela dá tanto trabalho? A cama ainda está boa e móveis novos são caros.”

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Ogrices: algumas atitudes típicas masculinas irritam tanto que podem ir minando a relação

Executivo até em família

Armando foi treinado desde pequeno a ver pessoas, corpos e almas como peças a serviço de estratégias. Em sua empresa, administrada no modelo “sargento durão”, ele motiva os funcionários com prêmios financeiros. Quando um de seus subordinados foi convocado a assumir uma filial em outra cidade e hesitou em aceitar por conta da resistência da esposa e dos filhos em mudarem de cidade, ele decretou: “Se você não lidera sua família, não serve para liderar as centenas de funcionários, e não terá futuro como líder nesta empresa”.

O modelo “trator” desrespeita o ritmo da vida e quer logo “tocar em frente”. Acha que pessoas deviam ser sempre práticas e o resto são caprichos e “coisinhas de mulher”. Tudo são frescuras incompreensíveis, contratempos seguidos de chiliques. Comentários como “mulher implica com tudo” indicam a falta de conexão com o outro. Alfredo e Armando encarnam perfeitamente esse modelo retrógrado de homem.

2. Pouca estética e poesia: foco na praticidade

Bem-estar

Bem de acordo com a tradição da subcultura feminina, Marcela investe na graça, no encanto e na celebração da vida. Roupas, detalhes estéticos, joias, tecidos, design, uma casa aconchegante, tudo isso pode ser objeto de grande prazer e investimento para muitas mulheres. Era muito frustrante que Rogério não pudesse ao menos apreciar e compartilhar dessas experiências. Para que investir tanto se ele nem percebe ou, quando percebe, não valoriza ou até zomba?

A caricatura de macho, que se constrange em participar dos “assuntos femininos”, não agrada mais. Na subcultura masculina, homens propositadamente não entendem e não gostam “dessas coisas” ou zombam. Outros dão um sorriso condescendente e “apoiam” com um protocolar: “É, ficou ótimo”. Ao poucos, a mulher desiste ou continua a fazer as coisas para si mesma e para outras pessoas. Mais uma área de desconexão do casal.

3. Tendência à onipotência

Vivendo perigosamente

Rui não se cuidava, achava as advertências de Helena “um saco”, até que adoeceu. Também André inquietava Juliana com aplicações financeiras arriscadas e com seu modo perigoso de brincar com os filhos. Já Mariana implicava porque Paulo guiava rápido demais. Homens tendem a correr mais riscos, minimizar as ameaças e superestimar suas capacidades. Para esses homens “onipotentes”, as observações de suas parceiras soam como “encheção desaco”, implicâncias femininas, atitudes excessivamente medrosas. Alguns ignoram o que dizem suas mulheres ou zombam delas.

Essa falta de conexão com a percepção feminina de vulnerabilidade, além de ser desrespeitosa, faz com que muitos percam a oportunidade de se beneficiar da visão de sua companheira de vida.

4. Pouca sintonia com o estilo feminino de lidar com problemas

Problema resolvido, missão cumprida, que mais ela quer?

Se Juliana diz a André que está nervosa porque furtaram sua carteira, ele entende que ela quer ajuda para resolver o problema. Aborda com ela a necessidade de cancelar cartões, refazer documentos, informar-se de quanto dinheiro havia na carteira, e calcula o prejuízo para avaliar o grau do problema. Ele não entende que ela gostaria que ele primeiro escutasse com atenção como ela está mal com isso, que se solidarizasse e lhe oferecesse um chá para que ela se acalmasse, e lhe dissesse carinhosamente que não se preocupe, que juntos resolverão o problema. E a abraçasse. O mesmo a respeito da briga dela com uma colega de trabalho, da enxaqueca, ou da aflição dela com a cunhada e etc.

Mulheres têm um modo diferente de relatar e enfocar questões. Valorizam circunstâncias, emoções envolvidas e por vezes desejam apenas desabafar antes de buscar soluções. Querem ser ouvidas, entendidas e que o interlocutor se solidarize, apoie e console. Homens ficam muito estressados com essas demonstrações de sofrimento e são treinados a imediatamente objetivar o problema, pensar em soluções, encaminhá-las para, em seguida, enterrar o assunto.

Edu Cesar

O terapeuta Luiz Alberto Hanns tira dúvidas sobre a vida a dois

Frustradas com o pragmatismo masculino, muitas mulheres às vezes reagem irritadas, e seus maridos se espantam: “O que ela quer? Afinal, eu lhe dei as soluções!”. O parceiro eventualmente se dispôs a ajudar, e ela, “a ingrata e irracional”, continua a prolongar o assunto e se mostra insatisfeita com o apoio dele. Ele também não aguenta os floreios das histórias: “Por que ela não encurta e vai direto ao ponto?”. Ela aos poucos perde o prazer de compartilhar e vai ficando mais distante, fria e prática.

5. Compartimentalização da vida (inclusive do sexo)

Em caixinhas

Uma discussão acalorada com o filho por causa do seu mau desempenho escolar não impede que Armando, meia hora mais tarde, queira fazer sexo com Thais, e tampouco que logo depois do sexo vá correndo ao escritório e lá se envolva com empenho no trabalho. Da mesma forma, o velório de um bom amigo não impede Paulo, para o horror de Mariana, de fazer contatos, trocando cartões na saída do cemitério, ou de Ricardo, marido de Penélope, depois de ter confessado à esposa seu caso extraconjugal, não aceitar que ela fique abalada “por tanto tempo”, esperando que, uma vez que “decidimos continuar juntos”, ela deva superar essa história em alguns dias.

É comum o pragmatismo masculino separar as várias dimensões da vida em departamentos distintos. Isso é culturalmente reforçado e treinado desde a infância. Falta a muitos homens a percepção de que às vezes somos afetados integralmente, de que há certos rituais e ritmos a serem respeitados e de que, para a mulher, a vida é mais interligada e o clima depende de certo alinhamento de fatores.

Muitos homens cobram de suas esposas que elas compartimentalizem e isolem as contrariedades em caixinhas. Não aceitam que o desejo e o prazer possam ser afetados por desalinhamentos em outros setores da vida não diretamente relacionados ao objeto.

O que fazer a respeito?

Se seu parceiro e você pudessem conversar sobre tudo isto seria um bom começo, mas nem sempre é possivel fazê-lo. E nem sempre a conversa termina bem. Mas aí vai uma ideia de como tentar. Se quiser experimente e escreva depois à coluna se deu certo, se foi um desastre ou se ficou chocho.

Talvez possa iniciar por dar a ele o artigo anterior sobre “mulherices” que os homens odeiam. E pedir a ele que diga a você se você faz alguma destas coisas e se isso o incomoda. Se ele se queixar, combine que tentar ir mudando de atitude (não comece imediatamente um contra-ataque acusando-o de mil coisas!). Crie um clima de boa vontade e confiança, começando você por se abrir, recuar e ouvir. Conforme a receptividade dele, passado algum tempo (minutos, dias, semanas) sugira a ele ler o artigo sobre “ogrices”. Proponha que ele mesmo assinale se pratica algumas dessas “ogrices”. E quem sabe vocês comecem a conversar sobre tudo isso com humor e boa vontade. Já é um começo. De resto você encontrará no meu livro “A Equação do Casamento – o que pode, ou não, ser mudado na sua relação“, muitas dicas de como incrementar sua relação.

* Luiz Alberto Hanns é terapeuta com mais de 20 anos de prática clínica. Na coluna “Vida a Dois”, ele fala sobre os desafios da vida em casal.