Para especialistas ouvidos pelo iG, lei eleitoral já seria suficiente para coibir o crime, mas falta fiscalização

A nova lei anticorrupção brasileira, que entrou em vigor no último mês endurecendo as penas contra empresas envolvidas em crimes de corrupção, terá impacto reduzido na tentativa de punir a prática de caixa 2 nas campanhas eleitorais. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pelo iG, que defendem maior fiscalização da lei eleitoral em vigor para coibir o crime. Segundo eles, a legislação, se aplicada como se deve, já seria suficiente.

Agência Brasil

Maior fiscalização da lei eleitoral seria suficiente para coibir caixa 2, dizem especialistas ouvidos pelo iG

O advogado constitucionalista que atua na área eleitoral, João Fábio da Fontoura, sócio do escritório Bornholdt Advogados, explica que a nova regra só influenciará nos casos em que o alvo da doação ilegal das empresas for candidato à reeleição ou funcionário público. “A lei tem como escopo principal a conduta lesiva à administração pública e ao erário. Os candidatos que não têm função de governo estão excluídos da abrangência dessa lei”, afirmou.

Com multas entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da empresa, a legislação tem por objetivo inibir o corruptor, ou seja, a empresa interessada em oferecer dinheiro para o servidor público em troca de vantagens indevidas. A lei é pioneira em impor uma pena pecuninária para empresas envolvidas em episódios de corrupção no País. Caso seja impossível verificar o faturamento da empresa, a multa pode chegar a R$ 60 milhões. A condenação também será publicada em jornais de grande circulação nacional.

“A nossa legislação eleitoral defende a inelegibilidade do candidato que tem as contas eleitorais rejeitadas, e isso já é suficiente. Falta fiscalização”, defende Fontoura. Paulo Henrique dos Santos Lucon, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), segue a mesma linha e diz que a lei eleitoral já reúne os mecanismos para inibir a doação ilegal. “Precisa de uma estrutura melhor, mais aparelhada para se fazer uma fiscalização. Como todo Poder Judiciário, há um déficit por causa da tremenda demanda, mas isso custa dinheiro”, diz Lucon.

 

Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 – Principais pontos
Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1o A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. As empresas passam a responder pelos atos de seus funcionários envolvidos em episódios de corrupção. Além da empresa, também responderão criminalmente pelo episódio os funcionários envolvidos, e seus superiores, caso a culpa for comprovada.
Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. Mesmo se a empresa for vendida ou fundida com outra companhia, a condenação persiste e a multa deve ser assumida pela nova empresa constituída.
Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: A empresa que procurar o poder público para denunciar um esquema do qual participou fica livre das punições, contanto que cumpra o acordo de detalhar o ato e outros itens previstos na lei.
Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei. A lei cria uma lista de empresas punidas por corrupção, e então impedidas de firmarem contrato com serviço público.

 

Para ele, limitar os gastos de campanha e investir em fiscalização seria mais efetivo do que endurecer as penas com novas leis. “O caixa 2 proporciona a desigualdade. Quem tem mais dinheiro consegue fazer uma campanha melhor. Você pega os sinais exteriores de riqueza”, afirmou.

Luciano Santos, advogado especialista em direito eleitoral e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), discorda. Para ele, a punição para crimes de caixa 2 não é suficiente. “Tanto que vemos casos em que advogados usam o crime na defesa de outros porque não há pena”, afirmou lembrando o julgamento do mensalão. Na ocasião, muitos réus tentaram convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o dinheiro recebido por parlamentares na época não era em troca de apoio político, mas sim caixa 2 de campanha.

Santos defende o fim do financiamento privado como solução para crimes eleitorais como as doações ilegais e não vê possibilidade de melhorar a fiscalização para coibir o crime de caixa 2. “A Justiça Eleitoral não tem ferramentas nem para fiscalizar se as regras mais objetivas são respeitadas, se o limite (das doações legais) foi respeitado, ainda mais se for para descobrir um crime feito às escondidas, como é o caixa 2”, argumenta.

Já para Fontoura a proibição de doações de empresas às campanhas não altera as irregularidades que acontecem na prática. “Financiamento público não altera em nada as coisas, precisa de fiscalização mais apurada. Com a proibição, o candidato pega R$ 1 milhão em financiamento público, mas gasta quatro no caixa 2 feito paralelamente”.

A legislação eleitoral brasileira hoje permite a doação por pessoa jurídica, restrita a 2% do faturamento bruto do exercício anterior. Lucon também entende que a proibição não atingiria o “cerne do problema”. “O tema é polêmico. Nos EUA, esse tema foi extremamente discutido e a pessoa jurídica, por ter com direitos e deveres, ele foi liberado para fazer doações. Se respeitar a lei eleitoral brasileira como está, não há problema nenhum.”